Fecho das centrais a carvão traz problema à indústria do betão
O fecho das centrais a carvão vai acabar com a disponibilidade de cinzas volantes, um resíduo industrial que é incorporado no betão. A indústria quer sensibilizar os projetistas desde já para que não venha a haver um aumento no custo das obras.
Reprodução da entrevista dada por João Pragosa a Maria João Babo publicada no jornal Negócios de 29 outubro 2019.
Se o fim da utilização do carvão para a produção de energia em 2030 já era motivo de preocupação para a Associação Portuguesa de Empresas de Betão Pronto (APEB), a antecipação do encerramento das centrais termoelétricas do Pego e de Sines para 2021 e 2023, respetivamente, exige uma reação ainda mais rápida na adaptação de projetos para obras. Caso contrário, o betão ficará mais caro, o que terá impacto no valor final da construção.
É que desde os anos 90 do século passado a indústria do betão passou a incorporar um resíduo industrial das centrais à base de carvão - que antes ia para aterro - na sua produção. As cinzas volantes provaram melhorar a resistência e durabilidade das estruturas, designadamente obras marítimas, ou perto do mar, que estão sujeitas a ação dos cloretos - sejam casas, pontes, estradas, assim como barragens - assumindo-se como alternativa à incorporação de cimento.
© Sérgio Lemos
João Pragosa, presidente da Associação Portuguesa das Empresas de Betão Pronto, avisa que betão com adição de cinzas vai deixar de ser produzido
Ao Negócios, João Pragosa, presidente da APEB, explicou que os projetos são hoje feitos de acordo com o betão que incorpora essa cinza, mas a disponibilidade deste resíduo está em vias de acabar. "Nos últimos anos tem havido disponibilidade de cinzas e os projetistas habituaram-se a projetar com esse betão e como se houvesse cinzas para sempre, mas ele vai deixar de poder ser produzido em Portugal", salientou o responsável, lembrando mesmo que já este ano, com as paragens de produção naquelas centrais, já tem havido indisponibilidade de cinzas.
"É preciso começar desde já a projetar de outra maneira, com a alternativa do betão sem incorporação de cinzas", afirmou o presidente da APEB, considerando urgente alertar os projetistas para esta nova realidade. "É que, se não houver uma alteração, o projetista vai sobredimensionar as estruturas calculadas, com um agravamento dos custos, que não é compensado na obra", alertou, explicando que esse risco já existe para as obras em curso. Quanto às novas obras o objetivo da APEB é "sensibilizar os projetistas para que comecem a projetar como se não houvesse cinzas", afirmou, adiantando que no próximo dia 19 de novembro, na Ordem dos Engenheiros, terá lugar uma sessão de esclarecimento uma vez que, em seu entender, "não há ainda esta noção".
Apesar de não conseguir avançar uma dimensão do impacto que possa haver nos custos, a título de exemplo refere que uma moradia veria a dosagem de ligante passar, no mínimo, de 320 quilos por metro cúbico de betão no caso de betão com incorporação de cinzas para 360 no caso da alternativa sem cinzas. Ou seja, teria de haver um aumento de 40 quilos de cimento, o que significaria um agravamento de 15% no custo do cimento.
Para João Pragosa, que diz ser "totalmente favorável" ao fecho das centrais, a importação das cinzas volantes não é uma opção, não só porque contraria a estratégia do país mas também por não ser viável economicamente devido aos custos de transporte. Além disso, acrescenta, "o Acordo de Paris aplica-se à generalidade dos estados e é uma questão de tempo para que comessem a escassear as cinzas volantes, com exceção dos países em desenvolvimento".